Em voto proferido no julgamento do Habeas Corpus (HC) 104045, a
ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, reiterou a recente
alteração da jurisprudência da Primeira Turma no sentido de não mais
admitir o emprego do habeas corpus em substituição a recurso ordinário
contra denegação de HC por instância anterior. A ministra afirmou que,
nessa circunstância, a Constituição Federal prevê, em seu artigo 102,
inciso II, alínea “a”, instrumento jurídico expresso – o recurso
ordinário.
“O habeas corpus é garantia fundamental que não pode ser vulgarizada,
sob pena de sua descaracterização como remédio heroico, e seu emprego
não pode servir a escamotear o instituto recursal previsto no texto da
Constituição”, ressaltou a relatora. Ela destacou em seu voto que, nos
últimos anos, tem se verificado um desvirtuamento dessa garantia
constitucional, a ponto de, em 2011, terem sido distribuídos no Superior
Tribunal de Justiça (STJ) 36.125 habeas corpus – “número quase
equivalente ao total de processos distribuídos perante o STF no mesmo
ano, que foi de 38.109”.
Tais números, na sua avaliação, só foram possíveis devido à
“prodigalização e vulgarização” desse tipo de instrumento. “Embora
restrito seu cabimento, segundo a Constituição, a casos de prisão ou
ameaça de prisão, passou-se a admiti-lo como substitutivo de recursos no
processo penal, por vezes até mesmo sem qualquer prisão vigente ou sem
ameaça senão remota de prisão”, assinalou. A ministra citou como exemplo
a pauta da própria Primeira Turma, que semanalmente contém “mais de uma
centena de HCs sobre os mais variados temas”.
Para a ministra Rosa Weber, esse desvirtuamento também tornou sem
sentido o princípio da exaustividade dos recursos no processo legal. “De
nada adianta a lei prever um número limitado de recursos contra
decisões finais ou interlocutórias se se entender sempre manejável o
habeas corpus”. Essa possibilidade, a seu ver, “é fatal para a duração
razoável do processo” porque gera “uma verdadeira avalanche de HCs sobre
a mesma questão, sucessiva e até concomitantemente, a diferentes
tribunais”.
O voto traz ainda um histórico do habeas corpus, cuja origem é
atribuída à Magna Carta de 1215 da Inglaterra, e que, no Brasil, foi
contemplado na primeira Constituição Republicana, de 1891.
Sequestro
No HC 104045, dois homens condenados por sequestro questionavam o
aumento da pena-base acima do mínimo legal, pelo Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro, que elevou a condenação para quatro anos de reclusão, em
regime inicial fechado, e pediam o restabelecimento da pena imposta em
primeiro grau, de dois anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida em
regime inicialmente aberto. A decisão do TJ-RJ foi mantida pelo STJ, que
considerou “gravíssimas as consequências do delito”, levando em conta
que a vítima continua desaparecida passados mais de seis anos do fato.
O STJ negou também a pretensão dos dois condenados em HC anterior, e
foi contra essa decisão denegatória que a defesa acionou o STF por meio
de novo HC.
A ministra Rosa Weber, relatora do caso, assinalou que o habeas
corpus não permite avaliação e valoração de provas e, portanto, não é
instrumento hábil para rever a fixação de penas. “Além da inadequação do
HC para rever posições das instâncias inferiores, visualizo fundamentos
idôneos e razoáveis para a pena fixada em concreto, bem como para o
regime de cumprimento”, concluiu.
Mudança
A mudança de entendimento da Primeira Turma em relação à inadequação
de HC como substitutivo de recurso em HC ocorreu durante o julgamento do
HC 109956, da relatoria do ministro Marco Aurélio, julgado no dia 7 de
agosto. A discussão, porém, começou na mesma sessão durante o julgamento
do HC 108715, do qual o ministro Luiz Fux pediu vista.
FONTE: STF
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