quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

DEM questiona decisão do TSE de que partidos não recebem votos dos candidatos com registro indeferido após eleições


O Partido Democratas (DEM) ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 223) no Supremo Tribunal Federal (STF) para impugnar a interpretação dada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a dispositivos da Lei Eleitoral (art. 16-A da Lei nº 9.504/1997) e do Código Eleitoral (art. 175, parágrafo 4º) em julgamento ocorrido no último dia 15, quando, por maioria de votos, os ministros daquela Corte decidiram que os votos dados a candidatos com registro indeferido, mesmo que seus recursos estejam pendentes de julgamento, não poderão ser computados para seu partido político ou coligação. 
Na mesma sessão, os ministros decidiram também que candidatos com registro indeferido até o momento da diplomação não poderiam ser diplomados. O entendimento do TSE serviu de parâmetro para os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), que tinham até aquela sexta-feira (17) para diplomar os candidatos eleitos no pleito de outubro. No julgamento, o TSE reafirmou entendimento contido na Resolução nº 23.218, e segundo o DEM, foi a primeira vez que o Tribunal aplicou a norma em caráter jurisdicional, analisando a questão sob o ângulo da subsistência ou não do parágrafo 4º do art. 175 do Código Eleitoral. A resolução dispõe que “serão nulos, para todos os efeitos, inclusive para a legenda, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados”.
O artigo 175 do Código Eleitoral estabelece que “serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados” (parágrafo terceiro). Em seguida, é dito que a regra “não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro” (parágrafo quarto).
Por outro lado, a Lei nº 12.034/2009 incluiu na Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/1997) a seguinte disposição: “o candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”. O DEM argumenta que a interpretação do TSE não apenas ampliou o campo de aplicação do artigo 16-A e do seu parágrafo único da Lei Eleitoral, como afastou a aplicação, nas eleições proporcionais, do parágrafo 4º do artigo 175 do Código Eleitoral.
Para o partido, na prática, a interpretação do TSE resultou no descumprimento dos seguintes preceitos fundamentais: da separação dos Poderes, na medida em que o Tribunal teria atuado como Poder Legislativo; de que o voto, na eleição proporcional, destina-se ao partido político e não ao candidato; e da segurança jurídica.
O DEM taxou como inconstitucional o entendimento que prevaleceu no julgamento no sentido de que o objetivo do artigo 16-A da Lei Eleitoral foi dotar os partidos de mais responsabilidade para que escolham candidatos que não sejam atingidos por inelegibilidades. Com isso, evita-se que os chamados “puxadores de votos”, que posteriormente sejam declarados inelegíveis, beneficiem as legendas com sua performance nas urnas.
VP/CG
Processos relacionados
ADPF 223

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Cezar Peluso quer mudar Constituição para acabar com indústria de recursos

Presidente do STF já adiantou ao futuro ministro da Justiça que vai trabalhar para estabelecer que todos os processos terminariam depois de julgados pelos tribunais de Justiça ou pelos tribunais regionais federais

28 de dezembro de 2010 | 9h 31
Felipe Recondo, Mariângela Gallucci e Rui Nogueira - O Estado de S.Paulo
Uma mudança radical no sistema de recursos judiciais está na cabeça do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso. Uma proposta que, se levada adiante e der certo, visa diminuir radicalmente a impunidade, acabar com a proliferação de recursos para os tribunais superiores e encurtar drasticamente o andamento dos processos.

"O Brasil é o único País do mundo que tem na verdade quatro instâncias recursais", afirmou Peluso em entrevista ao Estado. Boa parte da polêmica em torno da Lei da Ficha, disse o ministro, estaria resolvida. Os críticos da lei afirmam que viola o princípio da inocência a previsão de que estão inelegíveis os políticos condenados por órgãos colegiados, como tribunais de justiça, mesmo que ainda haja recursos pendentes no STJ e no STF. Se os processos terminarem na segunda instância, essa discussão acabaria. Mas o presidente adianta que espera forte resistência: "Pode escrever que isso terá a resistência dos advogados. Pode ter certeza."Peluso já adiantou ao ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, que vai trabalhar para mudar a Constituição e estabelecer que todos os processos terminariam depois de julgados pelos tribunais de Justiça ou pelos tribunais regionais federais. Os recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF serviriam apenas para tentar anular a decisão, mas enquanto não fossem julgados, a pena seria cumprida.
Se o senhor tivesse que tomar duas decisões para melhorar a Justiça, quais seriam?
Não existe uma coisa só que se resolvida solucionaria todo o problema do Judiciário. Há vários pontos de estrangulamento. A celeridade é importante, mas não a levo às últimas consequências como a coisa mais importante.
Por quê?
Primeiro porque o problema do retardamento dos processos não é uma coisa tipicamente brasileira. Nós temos estatísticas da Europa, particularmente Portugal, Espanha, Itália, e também nos países anglo-saxões. A Justiça tem certa ritualidade que implica tempo. O que não pode haver são esses casos absurdos de processos que passam de gerações. Mas isso envolve outro problema que é objeto de grande preocupação nossa e queremos celebrar um novo pacto republicano para resolver isso.
Que problema?
É o problema dos graus de instâncias recursais. O Brasil é o único País do mundo que tem na verdade quatro instâncias recursais. O Supremo funciona como quarta instância. Acho que precisamos acabar com isso.
Como?
Uma proposta que já fiz, inclusive para o próximo ministro da Justiça, é transformar os recursos especiais (recursos para o STJ) e extraordinários (recursos para o STF) em medidas rescisórias. A decisão transita em julgado e o sujeito entra com recurso que será examinado como ação rescisória (serviria para posteriormente anular a decisão). Se tirássemos o caráter recursal, que suspende a eficácia da decisão e leva toda a matéria para ser discutida nos tribunais superiores, os tribunais decidiriam e o processo estaria transitado em julgado. A admissibilidade do recurso especial e extraordinário não impediria o trânsito em julgado.
Qual é a consequência disso?
Isso acabaria, se você pensar, com o problema da ficha limpa. Não precisaria ficar discutindo se a lei ofende ou não ofende o princípio da inocência (de que ninguém é considerado culpado até o trânsito em julgado do processo). Isso acaba com o uso dos tribunais superiores (STJ e STF) como fator de dilação (de demora) do processo. Enquanto o processo não transita em julgado, ninguém faz nada e o tempo vai passando. O Supremo não consegue julgar isso rapidamente. E mais: isso valoriza os tribunais locais. O que eles decidirem, está decidido. Acaba com o assunto. Quem tiver razão, tenta rescindir a decisão.
Precisaria de um filtro para essas ações rescisórias?
Pode manter a repercussão geral. Alguns recursos não seriam admitidos. Mas não precisaria de um filtro adicional. O filtro estaria no próprio mecanismo de julgamento. Teremos causas que serão liquidadas pelos tribunais locais. Isso seria sensível para a população.
O sr. vai encampar essa proposta?
Eu vou propor isso. Ainda vou deixar isso amadurecer na cabeça dos outros. Na minha, isso já está muito assentado.
Por que precisa pensar mais?
Pode escrever que isso terá a resistência dos advogados. Pode ter certeza. Eu estava conversando com o ministro (José Eduardo Cardozo) e ele disse que nós podemos criar uma estratégia de discussão para convencer a opinião pública. É preciso mostrar para a opinião pública que esse é um avanço substancial.
O que seria necessário?
Precisaria de uma PEC (proposta de emenda à Constituição), porque vai mexer na disciplina constitucional. Mas se nós colocarmos no Pacto Republicano, com o apoio do governo e do Legislativo, nós vamos deixar esse pessoal gritando à vontade e sem nenhum argumento, porque em quase todos os países é assim mesmo.
Isso acabaria com a história de que quem tem dinheiro contrata um bom advogado para tentar mudar a decisão no STF ou adiar o julgamento até que o processo prescreva?
Esse é um dos subprodutos desse negócio. Para chegar aos tribunais de Justiça não precisa gastar muito.
Mas o CNJ, em outras gestões, apontou problemas envolvendo decisões dos juízes na primeira instância e dos tribunais de justiça. Isso atrapalha?
Isso é um exagero. Qual a taxa de provimento de recursos nos tribunais superiores (contra decisões das dos juízes e dos tribunais de justiça)? É baixíssima. E mais: onde há taxa um pouco mais elevada de provimento é em questão de habeas corpus.
Por que isso acontece?
Isso não é tanto porque os juízes queiram alterar as decisões do STF. É porque os juízes não recebem as decisões do Supremo. Eles tomam conhecimento da jurisprudência do STF quando recebem a nossa revista (de jurisprudência) três anos depois da decisão.
O sr. defende que as decisões do STF tenham maior influência sobre os demais juízes?
Eu acho que deveríamos caminhar para uma certa vinculatividade das decisões do Supremo e dos tribunais superiores em relação ao juízo. Os juízes dizem que isso tira a liberdade deles. Tira nada! Porque são eles que constroem as questões que chegam ao STF. Quando a causa chega aqui, os juízes já decidiram, os advogados já discutiram, o Ministério Público já se manifestou. Precisamos abdicar um pouco da falsa ideia de que precisa de liberdade exagerada. Quando o os tribunais superiores fixarem a tese, não tem mais motivo para ficar discutindo.
Que avaliação o senhor faz deste primeiro ano na presidência?
Foi um ano muito bom tanto para o Supremo quanto para o Conselho Nacional de Justiça. O mais importante: acho que nós conseguimos, no Rio de Janeiro, uma coisa inédita, um momento importantíssimo do ponto de vista da história do Judiciário brasileiro e do sistema de segurança, que foi o acordo que nos permitiu colocar órgãos jurisdicionais (como juízes, defensoria pública e Ministério Público) e extrajudiciais (como cartórios) nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Mas isso vai para todas as UPPs?
Todas. A UPP vai passar a ser um centro que reunirá a polícia militar, a polícia civil, o apoio das Forças Armadas, e terá mais a presença do Judiciário. Pela primeira vez a gente está com a esperança que as UPPs, com essa nova configuração mais heterogênea, exercerão papel importante, não apenas na pacificação, no sentido de acabar com a violência, mas também de promover aquelas comunidades. Se der certo, considero a coisa mais importante que o Judiciário fez no Brasil nos últimos 20 a 30 anos. Isso para mim já seria suficiente.
Isso pode ser difundido para o Brasil?
Sim. É um tipo de mecanismo para grandes centros. Nas pequenas cidades, funciona bem. Nos grandes centros há áreas não ocupadas pelo estado onde floresce o crime, a violência, conflitos sociais.
O STF não decidiu o destino da Ficha Limpa? Não foi ruim para o tribunal?
Não acho que fique mal. Foi uma coisa inevitável. Foi um processo de uma lei aprovada praticamente às vésperas da eleição, que provocou processos que demoram um tempo também às vésperas da eleição e esses processos ainda não chegaram ao STF. O Supremo não pode fazer nada. Nós discutimos só uma alínea de um artigo. Existem várias alíneas de vários artigos questionados. No ano que vem, esses processos vão subir (do TSE para o STF) e o Supremo vai decidir.
E por que o sr. não quis desempatar o julgamento?
Não quis usar o voto de qualidade (de desempate) porque os mesmos ministros que aprovaram a emenda regimental me dando esse poder, como estavam muito apaixonados, não queriam que eu usasse. Eu ia ter que impor uma decisão e isso realmente parecia um ato de despotismo. Não vou afirmar minha autoridade pelo mero prazer de afirmar a autoridade.
O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não ter punidos os responsáveis por mortes na Guerrilha do Araguaia. O STF disse que esses crimes estão anistiados. Que decisão o Estado deve cumprir?
Se o país deve cumprir ou não (a decisão da CIDH), responde o chefe do Estado brasileiro. Mas há algumas coisas que são indiscutíveis. Primeiro: a Corte Interamericana não é instância revisora do STF. Eles não têm competência nem função de rever as decisões do Supremo. A nossa decisão não fica sujeita ao reexame deles. Nossa decisão no plano interno continua tão válida quanto antes. Morreu o assunto.
Mas e no plano internacional?
O que se passa no plano internacional, e acho que o editorial do Estadão foi preciso, é que o Estado brasileiro assinou um tratado internacional e concorda com que a Corte decida, mas é uma decisão que tem mais caráter político do que jurisdicional. Em nenhuma cláusula do tratado há menção de que as decisões da Corte Interamericana se sobrepõem ou modificam as nossas decisões internas.
Como compatibilizar as duas decisões?
Se o presidente da República resolver indenizar as famílias (de mortos durante a Guerrilha do Araguaia), não há problema. Mas se abrirem um processo jurisdicional contra qualquer um que o Supremo considerou anistiado, o tribunal mata na hora. A população brasileira pode dormir tranquila quanto a isso.
O que está por trás da decisão?
Há interesses ideológicos. Não tenho nada contra. Mas cada país tem sua cultura e sua maneira de acertar as contas com o passado. Na África do Sul fizeram de um jeito, na Argentina fizeram de outro. Cada um sabe o que faz. Há muita pressão ideológica e de grupos pequenos. Nenhum de nós concorda com as atrocidades que foram cometidas. Agora, o que podemos fazer hoje? Todas as ações, penais e civis, estão prescritas.
Alega-se que foram crimes de lesa humanidade e, por isso, imprescritíveis.
A nossa Constituição, a partir de 88, disse que não prescreve. O que ficou para trás está prescrito. Se fosse hoje, não prescreveria. Não posso usar a Constituição para retroagir. Está tudo prescrito. Não temos o que fazer.
Como o sr. avalia a decisão do STF?
Eu acho pessoalmente que o STF deu uma decisão importante para pacificação da sociedade. É muito justo que se procure apurar autoria, responsabilidades, para prevenir futuras coisas. Mas do ponto de vista dos interesses superiores da sociedade, o STF deu uma contribuição importante. As Forças Armadas ainda poderiam se ressentir de certas coisas...
Se ressentir como?
Assim como há pessoas favoráveis a isso (punir torturadores da ditadura), há outras que acham que isso deve estar definitivamente enterrado. Na medida em que um sobe a voz, o outro também sobe. Aí, vamos numa escalada que não é boa para ninguém.
Poderia haver uma reação militar?
Não sei o que poderia acontecer. Sei que o que o STF fez foi muito bom.
A falta de um ministro desde agosto não atrapalhou o tribunal?
Acho que isso é uma eventualidade. Podia acontecer se o quorum estivesse completo e um ministro se desse por impedido. Deu-se muita atenção ao fato do 11º não ter sido indicado. Mas não há nada de preocupante.
Alguns processos teriam outra solução se o tribunal estivesse completo. Isso não traz insegurança?
Isso podia acontecer independente de faltar um ministro. São coisas pontuais. Não é regra. Não há nada preocupante.
O ministro Cesar Asfor Rocha foi cotado para a vaga, mas houve críticas por parte do STF. Que conceito o senhor tem dele?
Eu tenho por ele o mesmo conceito que tenho pelos outros juízes. Um bom juiz. Não tenho nada contra.
O presidente Lula deve decidir o destino de Cesare Battisti nos próximos dias. Há chances de o STF ser acionado novamente?
Possibilidade há. O STF disse que o presidente da República tinha que cumprir a decisão a menos que o tratado de extradição com a Itália lhe dessa alternativa. Suponhamos que ele tome uma atitude e alguém diga que o tratado não autoriza essa solução, a Itália poderá entrar com processo. Possibilidade há, mas depende da decisão do presidente.
O sr. enfrentou problemas com os conselheiros quando assumiu o CNJ. Como está agora?
Estamos bem. Evoluímos bem.
O sr. recebeu críticas de ser corporativista.
Circulou uma informação de que o presidente do CNJ é contrário à punição de juízes. Não diria que a informação é ridícula, mas é próxima disso. Não tem ninguém no CNJ e duvido que na magistratura exista outro que teve mais trabalho para a magistratura em termos de disciplina do que eu. Fui juiz auxiliar da Corregedoria do TJ de São Paulo por dois anos. Na corregedoria, eu era encarregado de fazer todos os processos disciplinares contra juízes. Eu fiz tantos processos disciplinares que dois juízes foram para a cadeia. Um deles cumpriu mais de 9 anos de cadeia por crimes cometidos no exercício da função e apurados por mim. O outro tomou uma pena de quatro anos. E mais oito juízes foram mandados embora sem processo crime. Ninguém fez isso no país. E mais: o CNJ aposentou um ministro do STJ e desembargadores do Rio de Janeiro e não foi com base no que o Conselho apurou. Do que eles se valeram? Do inquérito (da Operação Furacão) que preparei por mais de um ano no maior sigilo. Vão dizer que sou contra a punição de juízes? Não dá para desmentir a história. O CNJ na minha gestão puniu tantos juízes como nas outras gestões.
Mas o CNJ, na opinião do sr, está extrapolando?
O que estamos tentando mudar? E acho que já mudou é aquele clima de hostilidade que havia entre os juízes e o CNJ. Os juízes criaram uma hostilidade contra o Conselho. O clima era péssimo. Hoje estamos pacificados. Os juízes aceitam o CNJ e percebem que ele não é uma comissão geral de investigação do tempo da ditadura. A função do Conselho não é essa. Temos que punir os juízes com pudor, com respeito à instituição. Ninguém ganha nada explorando o que há de errado. O que interessa é que quando for o caso, manda o juiz pra rua.
Qual a opinião do sr. sobre as férias dos magistrados?
Eu, particularmente, penso que 60 dias não seria absurdo. Mas a sociedade não aceita isso. Mas existe um segundo problema que atingiu também os advogados. Sem as férias coletivas dos magistrados, os advogados não conseguem tirar férias. Uma solução que seria justa: preserva os 30 dias de férias e estabelece um período de recesso de um 20 dias em que tudo pararia. Aí, os advogados poderiam sair de férias.
Isso acabaria com a possibilidade de vender as férias?
Sim.
O STF condenou neste ano os primeiros parlamentares após a Constituição de 88.
Não digo que isso é uma conquista, porque condenar pessoas não é uma conquista.
Mas ainda não é pouco diante dos escândalos na política?
Não é pouco. Acontece que os processos que chegam ao STF provêm de inquéritos que demoram muito. É uma coisa que queremos corrigir e vai depender também do novo Código de Processo Penal. E depois, há uma série de expedientes na legislação que permitem que advogados mais experientes espichem os processos. Alguns chegam à prescrição. Alguns realmente não são crimes, e o tribunal é obrigado a absolver. E o tribunal julga com o que está nos autos.
O sr. é favor do fim do foro privilegiado?
Eu sou a favor da redução do foro. Não sou a favor do fim do foro. Acho que tem muita gente com foro privilegiado. Podia reduzir um pouco.
Onde está o exagero?
No número. Precisamos dar um tratamento menos generoso para o foro, reduzi-lo para cargos que realmente não podem ficar sem essa proteção. Acabar com o foro privilegiado é algo muito arriscado. Teríamos mais confusão do que benefícios.
Se o STF continuar nesse ritmo de condenações, parlamentares que respondem a processo podem aprovar o fim do foro?
Pode mesmo. Se vai acontecer, não sei.
Que expectativa o sr. tem para o governo Dilma Rousseff?
Estamos esperançosos para que faça um bom governo.
E como vê essa alternância de poder e agora a eleição de uma mulher?
Por enquanto, estamos indo muito bem. O país está crescendo, está aproveitando as oportunidades e condições objetivas externas, estamos com taxa de crescimento entre as maiores do mundo. Estamos indo bem. A área política está mais ou menos pacificada. Estamos no mais longo período de vigência de uma constituição sem incidentes. Os investidores externos confiam no país, acham que há segurança jurídica. Temos todas as condições de melhorar.
Como avalia o governo Lula?
Foi um governo bom. Não se pode dizer que foi um governo ruim. Terá tido algumas coisas que algumas pessoas não gostam, mas na soma geral das realizações foi um governo que avançou. O grande problema nosso, não sei como a presidente vai se comportar com relação a isso, é que precisamos investir em educação. Enquanto a Índia forma por ano 300 mil engenheiros, nós formamos 30 mil.
O sr. é defende o fim das transmissões ao vivo das sessões do STF?
Eu sou adepto. Se dependesse única e exclusivamente de mim, eu tiraria. Mas não é um problema da televisão. Para mim, o sistema é que não é bom. Não é porque transmitir é ruim. É porque o sistema dessa discussão pública é ruim, com ou sem televisão. Qualquer pessoa que propusesse extinguir a transmissão pela televisão seria acusada de crime de lesa pátria e que está pretendendo esconder as coisas da sociedade. É um fato irreversível.
Não está faltando alguém que pacifique esse plenário? Até para evitar os bate-bocas?
Não. Está faltando um sistema que modifique o atual. Isso é um produto do sistema. Em lugar nenhum do mundo, exceto no Brasil, no México e em alguns cantões da Suíça, nenhuma corte constitucional delibera em público.
Por quê?
Por diversos motivos. Vamos começar pelos motivos mais formais. Primeiro: a deliberação em público, como se processa no STF, não permite que a sociedade capte o pensamento da Corte como órgão unitário. Há pensamentos isolados. Isso é ruim. Segundo: o fato de estar exposto ao público e, mais do que isso, a câmeras de televisão altera natural e inapelavelmente o modo de ser das pessoas. Não digo nenhuma novidade. Ninguém canta em público como canta quando está sozinho no chuveiro em casa.
Como é isso?
Eu sei que estou em público, meu comportamento se altera. Se estou sendo julgado pelo público, se estou sendo exposto, eu me altero e não é por que eu queira, mas é por que é da condição humana. O homem tem receio de se expor e usa de mecanismos internos psicológicos de autodefesa que se manifestam de várias formas, inclusive pelas trocas mais ásperas de opiniões. Se estivéssemos numa sala fechada, como as Cortes fazem, discutindo um assunto, eu poderia expor minha opinião em voz baixa.
O debate público não acrescentaria nada. É isso?
Não acrescenta nada. Isso distorce. Nenhum ser humano é capaz de ser pura racionalidade e frieza. Exigir isso do Supremo é uma aberração. É impossível nesse sistema imaginar que alguém consiga pacificar. Não consegue.
Essa forma de decidir não privilegia a transparência e a publicidade?
Transparência é bom? É ótimo. Publicidade é bom? É ótimo. Ao contrário, em termos absolutos, não. Nosso problema não é a publicidade, mas o excesso de publicidade. O que estou tentando fazer. Eu me considero um Dom Quixote. Eu gostaria de reunir no ano que vem aqui uns cinco ou seis presidentes das Cortes mais importantes do mundo num evento que quero dar uma dimensão nacional para eles exporem os sistemas de decisão das cortes para sensibilizar a opinião pública. Se a opinião pública resistir qualquer tentativa de mudar está fadada ao fracasso.

http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,cezar-peluso-quer-mudar-constituicao-para-acabar-com-industria-de-recursos,659029,0.htm

Prudências, ousadias e mudanças necessárias no STF

Ótimo texto de Luís Roberto Barroso publicado no site Conjur

Este texto sobre o Direito Constitucional faz parte da Retrospectiva 2010, série de artigos sobre os principais fatos nas diferentes áreas do Direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.
Luis Roberto Barroso - Spacca
Introdução
A resenha que se segue está dividida em duas partes. Na Parte I, faz-se a retrospectiva de alguns fatos relevantes, bem como o levantamento e a análise crítica de algumas das principais decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no período. Foi escrita em colaboração com Eduardo Mendonça, mestre e doutorando pela Universidade do Estado do Rio de Janerio (UERJ). Na Parte II, procede-se a uma apreciação dos métodos de deliberação do STF para, ao final, apresentarem-se duas sugestões de mudança. Para essa segunda parte, contei com a colaboração de Patrícia Perrone Campos Mello, igualmente mestre e doutoranda pela UERJ.

Parte I
Fatos e decisões relevantes
Luís Roberto Barroso
Eduardo Mendonça[2]
Judicicialização do Processo Eleitoral
O processo eleitoral dominou a agenda política de 2010. Junto com ele, ora como coadjuvante, ora como protagonista, esteve o Poder Judiciário. Em um ano no qual foi necessário declarar a constitucionalidade do humor, repetiu-se a história recente: algumas das controvérsias jurídicas e morais mais importantes tiveram seu capítulo final no Supremo Tribunal Federal. Nas primeiras resenhas que escrevi para o ConJur, lá se vão alguns anos, a judicialização da vida era tratada como um fenômeno novo, que causava certo espanto a muitos observadores. Pois já não é assim. A presença de juízes e tribunais nas manchetes jornalísticas incorporou-se à rotina da democracia brasileira. Há aspectos típicos e atípicos nessa expansão judicial, que tem sido objeto de vasta literatura nacional e internacional[3].
Um outro aspecto dessa realidade, menos explorado, envolve a percepção de que os atores políticos passaram a organizar suas disputas (também) em torno de categorias jurídicas, valendo-se da linguagem do Direito e dos direitos em seu próprio discurso. Esse é um bom indício de que a sociedade começa a incorporar ao seu imaginário uma dose de sentimento constitucional genuíno e preocupações com a legalidade. É bom que seja assim. A Constituição de 1988, com todas as suas circunstâncias, contém um bom projeto de país nos seus valores e nos seus propósitos. É fora de dúvida, no entanto, que ainda enfrentamos disfunções atávicas, como o patrimonialismo, o oficialismo e certa escassez de virtudes republicanas. Mas a demanda por mais legitimidade democrática e por melhor administração pública tem aumentado significativamente. E já há vitórias a celebrar: as crises políticas têm sido enfrentadas dentro da ordem institucional em vigor e com a participação do Judiciário. Já ninguém pensa em chamar as tropas.
Nos dois tópicos que se seguem, faz-se um breve levantamento de fatos relevantes ocorridos no âmbito do direito constitucional, bem como uma seleção de alguns casos emblemáticos julgados nesse ano judiciário. Um observador atento notará um Supremo Tribunal Federal que alterna momentos de maior intervenção na vida política com outros de mais autocontenção. Como é próprio, aliás, de um tribunal constitucional. A vida é feita de prudências e ousadias. A ênfase em uma ou outra compõe a complexa e dinâmica equação de poder no constitucionalismo democrático, que procura conciliar soberania popular — isto é, vontade das maiorias — com limitação do poder, vale dizer, respeito aos direitos fundamentais e à legalidade.
Alguns fatos dignos de nota
1. Emendas constitucionais aprovadas em 2010
Quatro emendas constitucionais foram aprovadas em 2010 (63 a 66). Passa-se a um breve comentário sobre cada uma delas. A Emenda Constitucional 63, de 4 de fevereiro de 2010, alterou o parágrafo 5º do artigo 198, que já impunha ao legislador federal o dever de editar lei dispondo sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate a endemias. Pela nova redação, a lei deverá estabelecer um plano de carreira e um piso salarial nacional, impondo-se a União o dever de prestar assistência financeira aos demais entes para que este possa ser cumprido.
A Emenda Constitucional 64, de 4 de fevereiro de 2010, alterou o artigo 6º, explicitando o direito social fundamental à alimentação. Embora se possa dizer que tal conteúdo já estaria implícito no direito à saúde e no próprio princípio da dignidade da pessoa humana — constituindo uma das prestações mais elementares do chamado mínimo existencial —, a menção expressa tem valia simbólica. A Emenda Constitucional 65, de 13 de julho de 2010, alterou a denominação do Título VII, da Constituição, que passou a mencionar, de forma específica, o jovem. Do ponto de vista (pouco mais) substancial, foi acrescentado um parágrafo 8º ao artigo 227, determinando ao legislador que edite: (i) o estatuto da juventude, destinado a regular direitos específicos desse segmento da população; e (ii) o plano nacional de juventude, de duração decenal, cuja função seria articular os diversos níveis do Poder Público para a execução de políticas públicas.
Por fim, a Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010, alterou o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição, que dispõe sobre o divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos. A alteração merece destaque, do ponto de vista teórico, por afastar o viés claramente paternalista do texto original. Embora o Poder Público possa adotar medidas razoáveis para estimular ou desestimular determinados comportamentos, tendo em vista a promoção de valores ou interesses sociais, tais restrições nunca serão banais, exigindo justificação consistente, baseada em argumentos de razão pública[4].
Essa ressalva ganha ainda mais força em se tratando de questões existenciais, como as que envolvam o estabelecimento, manutenção e dissolução de vínculos conjugais. No plano moral, certamente é possível sustentar a posição de que o casamento e as demais formas de união civil não devem ser banalizadas, sendo recomendável que os casais reflitam cuidadosamente antes de assumir vínculos e, uma vez que os tenham assumido, busquem superar suas eventuais diferenças. No entanto, não parece legítimo que o Estado imponha essa ou qualquer outra visão acerca do tema, forçando duas pessoas a permanecerem formalmente casadas por qualquer período que seja.
2. Súmulas Vinculantes aprovadas em 2010
O STF editou três novas Súmulas Vinculantes em 2010. São elas: Súmula Vinculante 28: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário”; Súmula Vinculante 29: “É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra”; e Súmula Vinculante 31: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza — ISS sobre operações de locação de bens móveis”.
O tribunal chegou a aprovar uma quarta Súmula Vinculante, de número 30[5], que assentava a inconstitucionalidade de leis estaduais que, ao conceder incentivos fiscais, promovam a retenção da parcela de arrecadação a que os Municípios façam jus. A publicação dessa Súmula foi suspensa para maior reflexão da Corte por sugestão do ministro Dias Toffoli, que identificou precedentes envolvendo situação um pouco diversa, mas que mereceria tratamento similar. Trata-se das hipóteses em que o Estado admite o pagamento do tributo por meio da dação de bens em pagamento, sem que reparta essa forma de arrecadação com os municípios.
3. A mudança na Presidência do Supremo Tribunal Federal
A posse do ministro Cezar Peluso na presidência do STF trouxe, como previsível, uma mudança de estilo. Seu antecessor, ministro Gilmar Mendes, cultivou o hábito de pronunciamentos rotineiros à imprensa, nos quais comentava não apenas questões afetas à Corte, como também temas políticos e atualidades em geral. Sob críticas e aplausos, conforme a visão de cada um, introduziu um certo ativismo extrajudicial, que não tinha precedente. O ministro Cezar Peluso, magistrado de carreira, segue uma tradição de maior discrição, em que o juiz fala, como regra, nos autos do processo. Sua ênfase tem sido em questões internas do Judiciário e na defesa do padrão de remuneração da magistratura e dos servidores do Judiciário, o que fez de maneira desassombrada e enfrentando as críticas previsíveis. Há menos de um ano no cargo, ainda não é o caso de um balanço mais abrangente.

Alguns destaques na jurisprudência constitucional de 2010
1. Manutenção da Lei de Anistia (ADPF 153/DF, Rel. Min. Eros Grau, DJe 06 ago. 2010)
A ADPF 153, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pretendia: (i) atribuir à Lei 6.683/79 (Lei da Anistia) interpretação conforme a Constituição para declarar que a anistia concedida aos crimes políticos ou conexos praticados durante o regime militar não se estenderia aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos; ou (ii) que fosse declarado que a Lei da Anistia não teria sido recepcionada pela Constituição de 1988. O fundamento dos pedidos era o de que a anistia irrestrita aos agentes do Estado teria violado inúmeros preceitos fundamentais. Duas alegações merecem destaque especial.
Em primeiro lugar, o requerente sustentou a ocorrência de ofensa ao artigo 5º, XXXIII, que contempla o direito fundamental a receber informações de interesse público e particular dos órgãos públicos. Por esse argumento, a anistia concedida a pessoas indeterminadas teria impedido ou dificultado o acesso à verdade. Em segundo lugar, a dignidade das vítimas e do povo brasileiro em geral teria sido usada como moeda de troca em uma transação política, negociando-se a impunidade dos criminosos de Estado pela transição ao Estado democrático de direito. Ambos os fundamentos foram rejeitados por maioria de votos, vencidos os ministros Carlos Britto — que concedia interpretação conforme a lei para exigir que o Judiciário fizesse uma análise caso a caso —, e Ricardo Lewandowski, que afastava a incidência da lei em relação aos crimes de tortura.
A maioria foi liderada pelo voto do relator, ministro Eros Grau, que destacou a natureza política do compromisso consubstanciado na Lei de Anistia, firmado pelas forças políticas então atuantes para tornar possível a redemocratização. Não caberia ao STF modificar as bases desse compromisso para, reduzindo o alcance expresso da anistia concedida, excluir da sua incidência os crimes comuns praticados sob motivação política. O reconhecimento dessa realidade histórica não importaria transação com o princípio da dignidade humana, tampouco seria incompatível com o repúdio à tortura e às demais formas de tratamento degradante. Prevaleceu, igualmente, o entendimento de que não haveria barreira intransponível ao conhecimento da verdade, cabendo ao Estado fornecer as informações pertinentes ao período.
Na vida existem missões de justiça e missões de paz. O STF optou pela segunda. Como é natural, essa decisão não impede a eventual responsabilização do Estado brasileiro no plano internacional. Em decisão proferida em 14 de dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direito Humanos condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas na região do Araguaia, entre 1972 e 1974. A Corte considerou que as disposições da Lei da Anistia que impedem a apuração e julgamento desses fatos seriam incompatíveis com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos[6].
2. Aplicabilidade imediata da “Lei da Ficha Limpa" (RE 631.102/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 9 nov. 2010)
No caso mais polêmico de 2010, o STF acabou por considerar constitucional e passível de aplicação imediata a Lei Complementar 135/2010, que introduziu novas hipóteses de inelegibilidade. A chamada Lei da Ficha Limpa, dotada de respaldo social maciço, originou-se de iniciativa popular capitaneada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Como era de se esperar, candidatos afetados pelas novas regras foram à Justiça Eleitoral questionar a própria validade da lei e/ou sua aplicabilidade já às Eleições de 2010, sob dois fundamentos principais: (i) a nova lei atribuiria consequências jurídicas negativas a fatos ocorridos antes da sua edição, constituindo hipótese inconstitucional de retroatividade; e (ii) a lei violaria de forma direta o art. 16 da Constituição, que impede à modificação das regras eleitorais há menos de um ano das eleições.
Em decisão majoritária, o Tribunal Superior Eleitoral considerou a lei válida e desde logo aplicável, entendendo que as regras de inelegibilidade não fariam parte do processo eleitoral propriamente dito, mas sim de uma etapa preparatória logicamente anterior. O TSE afirmou, ainda, que não haveria retroação no ato de se aplicar de forma imediata as novas regras de inelegibilidade, não existindo, por parte dos candidatos, qualquer direito adquirido à condição de elegibilidade que porventura ostentassem antes do advento da LC 135/2010. Contra essa decisão, foram interpostos diversos recursos extraordinários, tendo o STF reconhecido a repercussão geral da questão constitucional em debate[7].
Ao apreciar a questão, num julgamento marcado por longo e acirrado debate, o STF se dividiu em dois blocos. O primeiro — formado pelo relator, ministro Carlos Britto, e pelos ministros Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia — sustentou a validade e a aplicabilidade imediata da lei, confirmando o acórdão do TSE. Em sentido contrário, entendendo que a lei somente poderia ser aplicada a partir das próximas eleições, votaram os ministros Cezar Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Configurado o empate, o tribunal passou a um longo debate acerca da fórmula adequada para a resolução do impasse. Após ser descartada a atribuição de um segundo voto ao presidente da Corte — medida prevista no artigo 13, IX, do Regimento Interno[8], de constitucionalidade duvidosa — decidiu-se pela manutenção da decisão proferida pelo TSE, que reconhecera a aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa.
Tal solução, adotada por uma Corte dividida, naquela situação, de forma irreconciliável, justifica um comentário à parte. Uma vez mais o STF foi chamado a proferir a palavra final em uma questão política de importância capital. De certa forma, é possível dizer que o tribunal testou e confirmou seu próprio prestígio, uma vez que sequer foi cogitada a possibilidade de se desrespeitar ou contornar a decisão da Corte, mesmo quando pareceu bastante palpável a hipótese de se decidir pela não-aplicabilidade da lei, contrariando o sentimento social mais do que dominante. É bom que seja assim.
A jurisdição constitucional cresce em importância justamente nos momentos em que é necessário contrariar as maiorias em nome dos valores fundamentais de uma dada sociedade ou mesmo do processo civilizatório. O equilíbrio entre o devido respeito à política majoritária e a preservação de tais valores é tênue e sujeito à possibilidade permanente de revisão. A interpretação jurídica produz algumas certezas positivas, outras negativas, e muitas zonas cinzentas. Um Tribunal Constitucional deve lutar pelas certezas — que serão, naturalmente, as suas certezas — e saber escolher os cinzas certos. Em muitos casos, porém, deverá reconhecer a hora de permitir que a sociedade escolha o seu próprio caminho razoável. Como regra — e seria possível cogitar inúmeras exceções mais do que defensáveis — uma Corte dividida deve pensar duas vezes antes de sobrepor o seu juízo a uma decisão emanada do processo político.
3. Possibilidade de se decretar a prisão preventiva de Governador de Estado (HC 102.732/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 7 mai. 2010)
Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal manteve a prisão preventiva do governador do Distrito Federal, decretada pelo Superior Tribunal de Justiça sob o fundamento de que o Chefe do Executivo estaria interferindo na investigação criminal que se encontrava em curso. O precedente merece destaque tanto por sua enorme repercussão política, quanto por ter servido para que o STF reafirmasse, agora em concreto, o caráter excepcional das regras constitucionais que estabelecem a irresponsabilidade penal relativa do Presidente da República (art. 86, § 4º) e sua imunidade contra a prisão (art. 86, § 3º). No entendimento da Corte, inicialmente veiculado no julgamento da ADI 1.020/DF, tais previsões encontram-se em tensão permanente com o princípio republicano e, por isso mesmo, devem receber interpretação restrita, não sendo extensíveis aos governadores.
Vale a ressalva, porém, de que ainda subsiste formalmente, na jurisprudência do STF, o entendimento de que as Constituições estaduais podem condicionar o recebimento de denúncia contra o governador à autorização da Assembleia Legislativa, de forma simétrica ao que dispõe o artigo 51, I, da Constituição Federal[9]. Um dos argumentos sustentados pela defesa do então governador José Roberto Arruda foi o da incompatibilidade entre este entendimento e a possibilidade de prisão preventiva, que seria um minus em relação ao recebimento de denúncia e a consequente instauração de processo criminal. Ainda que não haja uma contradição formal entre as duas situações — que envolvem a interpretação de dispositivos distintos —, é fora de dúvida que elas não convivem bem. O Supremo terá a oportunidade de analisar o tema e, se for o caso, rever sua jurisprudência, em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelo Procurador-Geral da República[10].
4. Pedido de intervenção no Distrito Federal (IF 5.179/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 8 out. 2010)
Trata-se de precedente que merece destaque pela repercussão política e por seu desfecho, que confirmou a excepcionalidade da intervenção federal. A crise política que levou à prisão preventiva do governador do Distrito Federal tornou-se ainda mais grave quando veio à tona o possível envolvimento de inúmeros deputados distritais. Criou-se, assim, um impasse no processo de responsabilização política do Chefe do Poder Executivo, que deveria se desenrolar perante a Casa Legislativa. Diante desse quadro, o Procurador-Geral da República ingressou com ação direta interventiva por alegada violação aos princípios republicano e democrático, bem como ao sistema representativo.
No momento em que foi proposta, a ação parecia fadada à procedência, com todas as implicações negativas associadas a uma intervenção federal plena, com afastamento dos Poderes constituídos. A primeira sob a Constituição de 1988[11]. No entanto, em um exercício de sensibilidade política e autocontenção, o STF aguardou os desdobramentos naturais da crise, que já chegara a um ponto de ruptura espontânea. Com a renúncia do Governador, o próprio sistema político se reorganizou e assumiu um compromisso de reconstrução de sua legitimidade democrática. Nesse novo contexto, a Corte, por maioria, entendeu que a medida drástica da intervenção federal seria agora inadmissível, uma vez que os diversos Poderes e instituições públicas competentes teriam desencadeado, no desempenho de suas atribuições constitucionais, ações adequadas para restabelecer a normalidade institucional.
5. Humor e liberdade de imprensa (ADI 4.451/DF, Rel. Min. Carlos Britto, DJe 13 set. 2010)
O STF referendou medida cautelar concedida pelo ministro Carlos Britto[12], que havia suspendido a eficácia de dispositivos da Lei 9.504/97[13], os quais impunham restrições às emissoras de rádio e televisão quanto à divulgação de charges, sátiras ou outras formas similares de expressão humorística tendo por objeto candidatos, partidos ou coligações políticas. O Tribunal entendeu que o humor – ainda quando seja ácido ou até de mau gosto – constitui uma forma legítima de expressão e de informação, protegida pelos artigos 5º, IV, IX e XIV, bem como pelo artigo 220, da Constituição de 1988. A decisão vem se somar a uma consistente linha jurisprudencial do STF em favor da ampla liberdade de expressão e, com especial destaque, de imprensa[14].
6. Quebra de sigilo bancário por requisição direta da Receita Federal (AC 33/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 2 dez. 2010)
Ao contrário da liberdade de expressão, os limites da privacidade em face do próprio Estado ainda se encontram em fase de definição. Na sessão de 24 de novembro de 2010, o tribunal negou referendo a uma medida liminar concedida, em 2003, pelo ministro Marco Aurélio, a qual suspendera a aplicação de dispositivos da Lei Complementar nº 105/2001 que conferem à Receita Federal a prerrogativa de requisitar informações protegidas pelo sigilo bancário diretamente às instituições financeiras, afastando a necessidade de autorização judicial. A posição majoritária, à qual aderiram cinco ministros, foi no sentido de que a hipótese não constituiria quebra de sigilo, uma vez que as informações teriam de ser preservadas pela própria Receita, vedando-se sua divulgação pública.
No julgamento definitivo da questão, em 15 de dezembro de 2010, o ministro Gilmar Mendes manifestou sua mudança de entendimento, alinhando-se à posição defendida pelos ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Inverteu-se, assim, a maioria verificada no julgamento anterior. Com o respeito devido e merecido aos ministros que sustentaram a posição minoritária, a decisão final adotou a leitura adequada do instituto do sigilo de dados, que se insere no rol de garantias constitucionais à privacidade. Com efeito, não parece razoável a premissa de que não há direito a sigilo em face do próprio Estado, como se este tivesse a prerrogativa de exercer uma supervisão constante da vida privada.
Na verdade, a experiência histórica — remota e recentíssima — demonstra que muitas vezes é o próprio Poder Público que invade o espaço reservado à vida privada, por fundamentos os mais diversos. Mesmo quando estes sejam legítimos, como o interesse em se evitar a sonegação ou outros desvios, é preciso manter salvaguardas. A limitação ao poder do Estado para proteger direitos fundamentais é, precisamente, o objetivo central do constitucionalismo. Não fica de pé, portanto, a ideia — típica de um Estado policial — de que o acesso às informações por parte de órgãos públicos não constituiria quebra de sigilo.
No Brasil, sob a Constituição de 1988, tem prevalecido a compreensão de que a quebra dos sigilos depende, como regra geral, de decisão proferida pelo Poder Judiciário, devidamente motivada. Impede-se, assim, a banalização das devassas à vida privada, uma vez que a autoridade interessada na obtenção dos dados passa a ter o dever de demonstrar, para um julgador imparcial, os indícios de anormalidade que justificam a restrição ao direito fundamental ao sigilo[15]. Ao confirmar essa orientação — ainda que de forma oscilante —, o STF manteve essa lógica e impediu que a quebra de sigilo fosse convertida em medida cotidiana da administração tributária.

Parte II
Modelo decisório do Supremo Tribunal Federal e duas sugestões de mudança
Luís Roberto Barroso
Patrícia Perrone Campos Mello[16]
Deliberação e processo decisório
O Poder Judiciário, na maior parte das democracias do mundo, desempenha um papel assemelhado. A função jurisdicional consiste na interpretação e aplicação do Direito vigente para o fim de solucionar litígios. Em alguns países, dentre os quais o Brasil, admitem-se algumas hipóteses em que a jurisdição é exercida fora de situações concretas de conflito, como ocorre nas ações diretas de controle abstrato da constitucionalidade das leis. Como regra, o primeiro grau de jurisdição é exercido por um juiz singular, ao passo que as instâncias recursais são compostas por órgãos colegiados. A uniformidade, todavia, costuma terminar aí. Pelo mundo afora, varia de maneira significativa, no âmbito dos tribunais, o modo de interação entre seus membros e de produção de soluções. Existem diferentes modelos de deliberação — interno e externo — e de construção da decisão final — agregativo e deliberativo.
O modelo de decisão interna, de inspiração europeia, caracteriza-se pela natureza reservada da deliberação, em que não há acesso dos advogados, das partes ou do público em geral à discussão travada entre os membros do órgão judicial. A solução para o caso em julgamento é produzida inteiramente a portas fechadas. A argumentação dos juízes se dá no interior das cortes e seus entendimentos individuais não são expostos ao público. Nos tribunais que seguem este modelo, os principais interlocutores de cada magistrado são os outros magistrados. Raramente há audiências públicas e sustentações orais. Em alguns casos, não há sequer a possibilidade de publicar votos divergentes. As cortes se manifestam como instituição, por meio de decisões únicas, que correspondem ao consenso alcançado após o debate entre seus membros. Acredita-se que o modelo de decisão interna constitui um facilitador da interação e do debate entre os juízes. A não exposição de suas discussões ao público tornaria mais viáveis concessões recíprocas e eventuais mudanças de opinião para a construção de um entendimento comum. Por outro lado, afirma-se, a relação com a sociedade e a possibilidade de controle social ficam reduzidos.
No modelo de decisão externa, de influência norte-americana, parte das discussões é feita de maneira pública. No caso da Suprema Corte dos Estados Unidos, além da sustentação oral, é possível a arguição dos advogados pelos juízes. Ao final dos debates, há uma conferência interna. Mas cada Justice pode produzir o seu próprio voto ou aderir à posição de outro. É comum a elaboração de votos dissidentes. Nesse arranjo institucional, os juízes, por certo, mantêm uma interlocução entre si; mas, muito frequentemente, eles se dirigem, mesmo, é ao público externo, mandando sua mensagem para a sociedade, os atores políticos, a imprensa e grupos de interesse. Afirma-se que esse segundo modelo tem a virtude de estabelecer um diálogo entre o Judiciário e a sociedade. Por outro lado, a maior exposição dos membros do tribunal à opinião pública dificultaria concessões e mudanças de entendimento, funcionando como um inibidor do poder persuasivo da argumentação. Além disso, não é incomum que a apresentação de votos com razões de decidir distintas prejudique a compreensão do real sentido e alcance do julgado, trazendo dificuldades práticas supervenientes.
O processo decisório, por sua vez, poderá ser deliberativo ou agregativo. O método deliberativo caracteriza-se pela construção conjunta do argumento, mediante prática discursiva que facilite concessões recíprocas entre os julgadores e a produção de consenso. É a fórmula usual no modelo de decisão interna. No método agregativo, diferentemente, a decisão será o produto do somatório de votos individuais, cabendo ao observador interpretar qual foi o entendimento colegiado do tribunal, como geralmente ocorre no modelo de decisão externa. Como intuitivo, essas divisões esquemáticas rígidas têm fim didático e ajudam a visualizar opções institucionais contrapostas. No mundo real, porém, os tribunais combinam características de ambos os modelos.
O modelo decisório do Supremo Tribunal Federal. Problemas e sugestões para sua resolução
Dentre as cortes constitucionais do mundo, é provável que o Supremo Tribunal Federal brasileiro seja o que pratica de forma mais radical o modelo externo e agregativo. De fato, os debates travados pelos ministros são não apenas abertos ao público como amplamente divulgados, inclusive por via da televisão aberta. Por outro lado, a apresentação dos votos individuais, sem qualquer conferência interna prévia, constitui a regra geral. Assim, os julgados da Corte não são veiculados mediante uma decisão unitária, consensual, consistindo na soma de manifestações particulares. Pois bem: o modelo de deliberação pública e votos individuais tem muitas virtudes, inclusive as da transparência, mobilização da sociedade e controle social. Mas precisa ser aperfeiçoado, em nome da clareza e da racionalização dos trabalhos.
O primeiro grande problema a ser superado é que a tese jurídica afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, colegiadamente, como razão de decidir, é de difícil identificação em alguns casos. Isso ocorre porque, embora se forme uma maioria no que respeita ao desfecho da hipótese submetida à Corte, cada ministro externa seu próprio entendimento, nem sempre convergente, sobre os fundamentos que justificam tal desfecho. Além disso, as decisões proferidas pelo STF, por serem produto da soma dos votos individuais de seus integrantes, são frequentemente extensíssimas. Isso é especialmente verdadeiro no julgamento de casos de maior repercussão. Há uma opção maximalista que nem sempre é positiva. Em razão dessas especificidades, surge uma outra disfunção: a tendência a prevalecer o voto do relator como expressão da decisão alcançada pela Corte, mesmo quando não tenha havido adesão majoritária a pontos centrais nele expressos, gerando-se uma percepção distorcida do que foi efetivamente decidido. Por vezes acontece o contrário: do voto do relator deixa de constar algo que foi objeto de deliberação majoritária, mas que não correspondia à sua opinião. O ponto é especialmente sensível nos casos em que a decisão do Tribunal tenha eficácia vinculante, sendo necessário determinar exatamente o que deve ser observado pela Administração Pública e pelos demais órgãos do Poder Judiciário.
A primeira sugestão de mudança destina-se a enfrentar essas dificuldades. A providência alvitrada é bastante simples. Após os debates e a votação realizados em sessão pública, e sem prejuízo da apresentação dos votos individuais pelos ministros, o relator do caso deverá: i) redigir uma ementa representativa dos fundamentos e conclusões que obtiveram adesão da maioria; e ii) dela deverá constar a proposição ou tese jurídica que serviu como premissa necessária à decisão da Corte, à semelhança dos holdings do common law. Tal ementa, que poderá ser elaborada na sessão de julgamento ou posteriormente, deverá ser submetida à aprovação dos Ministros que votaram com a posição vencedora. Tomando-se como exemplo a ADPF 46, em que se discutiu a questão do chamado “monopólio postal”, a ementa diria algo assim: “O serviço postal tem natureza de serviço público e não de atividade econômica, sendo legítimo o regime de privilégio estabelecido pela lei em favor da ECT”. Essa é a sugestão, portanto, no que diz respeito à maior clareza do pronunciamento da Corte.
A segunda sugestão é voltada à maior racionalidade do processo deliberativo. Faria enorme diferença se o voto do relator — ou uma minuta dele — circulasse pelos ministros anteriormente à sessão. Isso permitiria que os julgadores que estivessem de acordo com ele, em sua integralidade, simplesmente aderissem. Ou agregassem apenas o que fosse diferente. Com isso, ficariam poupados do trabalho imenso — e desnecessário — de escrever um voto para, no fim, dizer a mesma coisa. Por outro lado, os que divergissem da posição do relator já poderiam comparecer à sessão com sua manifestação, tornando dispensável — ou, no mínimo, menos frequente — o pedido de vista para a elaboração de voto contrário. As sessões plenárias comportariam julgamento de um número maior de processos e os adiamentos decorrentes de vistas seriam reduzidos significativamente.
O Supremo Tribunal Federal, que se tornou um dos protagonistas da democracia brasileira e que tem servido bem ao país, passa por um momento de transformações. A primeira delas está em curso: a redução drástica do número de processos, por meio de mecanismos de racionalização, como é a repercussão geral. A segunda virá com o tempo, com a progressiva percepção de que a leitura do voto em sessão deverá ser abreviada, limitando-se às ideias centrais. A terceira se contém nas propostas aqui compartilhadas: a minuta do voto do relator deverá circular previamente entre os ministros e a ementa do julgado deverá expressar objetivamente a tese jurídica vencedora, sendo submetida à aprovação da maioria que se formou.

[2] Mestre em Direito e Doutorando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Autor do livro A Constitucionalização das Finaças Públicas no Brasil: Devido Processo Orçamentário e Democracia, 2010.
[3] Giselle Cittadino, “Judicialização da política, constitucionalismo democrático separação de Poderes”. In: Luiz Werneck Vianna (Org.). A Democracia e os três Poderes no Brasil, 2002; Luís Roberto Barroso, Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista de Direito do Estado 13:71, 2009, e Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. Revista de Direito do Estado 16:3, 2010; e Oscar Vilhena Vieira, Supremocracia. In: Daniel Sarmento (coord.), Filosofia e teoria constitucional contemporânea, 2009, p. 483-502. Há inúmeros grupos de pesquisa em cursos de pós-graduação dedicados ao tema. V. Anais do I Forum de Grupos de Pesquisa em Direito Constitucional, 2009. No direito comparado, v., dentre muitos, Ran Hirschl, Towards juristocracy, 2007, e Alec Stone Sweet, Governing with judges – Constitutional politics in Europe, 2000.
[4] O uso da razão pública importa em afastar dogmas religiosos ou ideológicos – cuja validade é aceita apenas pelo grupo dos seus seguidores – e utilizar argumentos que sejam reconhecidos como legítimos por todos os grupos sociais dispostos a um debate franco, ainda que não concordem quanto ao resultado obtido em concreto. Ela consiste na busca de elementos constitucionais essenciais e em princípios consensuais de justiça, dentro de um ambiente de pluralismo político. Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, Curso de direito constitucional contemporâneo – Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, 2009, p. 71.
[5] Súmula Vinculante nº 30: “É inconstitucional lei estadual que, a título de incentivo fiscal, retém parcela do ICMS pertencente aos municípios".
[6] Nos termos do comunicado divulgado pela própria Corte Interamericana: “Con base en el derecho internacional y en su jurisprudencia constante, la Corte Interamericana concluyó que las disposiciones de la Ley de Amnistía que impiden la investigación y sanción de graves violaciones de derechos humanos son incompatibles con la Convención Americana y carecen de efectos jurídicos por lo que no pueden seguir representando un obstáculo para la investigación de los hechos del caso ni para la identificación y el castigo de los responsables”.
[7] Como se sabe, o primeiro recurso a ser admitido para julgamento e que deveria servir, portanto, como paradigma, foi o do Ex-Governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, que havia renunciado a um mandato de Senador em 2007, diante da iminência de responder a um processo de cassação. Posteriormente, tal recurso perdeu seu objeto em razão da desistência de Joaquim Roriz, que abdicou da candidatura em favor de sua esposa. De toda forma, O STF prosseguiu na análise da matéria no julgamento do recurso extraordinário interposto pelo Ex-Senador Jader Barbalho. A sequência de eventos processuais que levaram à perda de objeto do primeiro recurso e ao julgamento do segundo não apresenta maior relevância para a análise da questão constitucional relevante.
[8] RISTF, art. 13: São atribuições do Presidente: (…) proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o Re- gimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição; b) vaga ou licença médica superior a 30 (trinta) dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o Ministro licenciado”.
[9] A título de exemplo, v. STF, DJe 2 set. 2005, HC 86.015/PB, Rel. Min. Sepúlveda Pertence: “Governador de Estado: processo por crime comum: competência originária do Superior Tribunal de Justiça que não implica a inconstitucionalidade da exigência pela Constituição Estadual da autorização prévia da Assembléia Legislativa. 1. A transferência para o STJ da competência originária para o processo por crime comum contra os Governadores, ao invés de elidi-la, reforça a constitucionalidade da exigência da autorização da Assembléia Legislativa para a sua instauração: se, no modelo federal, a exigência da autorização da Câmara dos Deputados para o processo contra o Presidente da República finca raízes no princípio da independência dos poderes centrais, à mesma inspiração se soma o dogma da autonomia do Estado-membro perante a União, quando se cuida de confiar a própria subsistência do mandato do Governador do primeiro a um órgão judiciário federal. 2. A necessidade da autorização prévia da Assembléia Legislativa não traz o risco, quando negadas, de propiciar a impunidade dos delitos dos Governadores: a denegação traduz simples obstáculo temporário ao curso de ação penal, que implica, enquanto durar, a suspensão do fluxo do prazo prescricional. 3. Precedentes do Supremo Tribunal (RE 159.230, Pl, 28.3.94, Pertence, RTJ 158/280;HHCC 80.511, 2ª T., 21.8.01, Celso, RTJ 180/235; 84.585, Jobim, desp., DJ 4.8.04). (...)”.
[10] Trata-se da ADIn 4.362/DF, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, e da ADIn 4.386/SC, cujo relator é o Ministro Gilmar Mendes. Na primeira delas, em que se discute dispositivo da Lei Orgânica do Distrito Federal, o relator negou o pedido de liminar – sob o fundamento de que não seria adequado proferir decisão monocrática contra a jurisprudência atual da Corte –, mas determinou a observância do rito abreviado previsto no art. 12 da Lei nº 9.868/99.
[11] O caso mais recente de intervenção federal plena, com nomeação de interventor, ocorreu em novembro de 1964, sob o apoio de tropas federais e tanques de guerra. Na ocasião, afastou-se o Governador de Goiás, Mauro Borges – que havia apoiado a instauração do governo militar –, sob a alegação de que ele estaria conduzindo um governo de tendências comunistas e subversivas.
[12] Ficaram vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que, nos termos do pedido sucessivo da inicial, deferiam a liminar com fundamento na inconstitucionalidade parcial das normas impugnadas e a elas conferiam interpretação conforme para afastar do ordenamento jurídico: a) “interpretação do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/97 que conduza à conclusão de que as emissoras de rádio e televisão estariam impedidas de produzir e veicular charges, sátiras e programas humorísticos que envolvam candidatos, partidos ou coligações” e b) “interpretação do inciso III do art. 45 da Lei 9.504/97 que conduza à conclusão de que as empresas de rádio e televisão estariam proibidas de realizar a crítica jornalística, favorável ou contrária, a candidatos, partidos, coligações, seus órgãos ou representantes, inclusive em seus editoriais”.
[13] Lei nº 9.504/97, art. 45: “A partir de 1º de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário: ... II - usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito; III - veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes; ... § 4º Entende-se por trucagem todo e qualquer efeito realizado em áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido político ou coligação. § 5º Entende-se por montagem toda e qualquer junção de registros de áudio ou vídeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido político ou coligação, ou que desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido político ou coligação.”).
[14] Sem prejuízo de a Corte já ter admitido até mesmo a possibilidade de censura – forma mais intensa de restrição – em situações absolutamente excepcionais, como no já célebre caso Ellwanger, em que se determinou a retirada de circulação de livros considerados anti-semitas, por negarem a ocorrência do holocausto. V. STF, DJe 19 mar. 2004, HC 82.424/SC, Rel. originário Min. Moreira Alves, Rel. para o acórdão Min. Maurício Corrêa.
[15] Excepcionalmente tem sido admitida a quebra de sigilo por decisão das CPIs – mantida a exigência de motivação –, mas isso por conta da previsão constitucional expressa de que tais comissões dispõem de “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”.
[16] Mestre em Direito e Doutoranda pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Autora do livro Precedentes: O Desenvolvimento Judicial do Direito no Constitucionalismo Contemporâneo, 2008.

TEXTO PUPLICADO NO CONJUR

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

OAB propõe ADI contra norma que instituiu verba indenizatória por sessão extraordinária

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4509) contra a Emenda Constitucional 47, aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará, e que prevê o pagamento de parcela indenizatória aos parlamentares em razão de participação em sessões extraordinárias.
De acordo com a OAB, a emenda alterou o artigo 99 da Constituição do Estado do Pará e retomou a previsão de pagamento que já havia sido excluída por uma outra emenda de 2006 (Emenda Constitucional 50/2006).
Com isso, a Ordem alega que o estado paraense retroagiu no processo moralizador que havia proibido o pagamento de parcela extra por participação em sessão extraordinária das Assembleias Legislativas, contrariando a Constituição Federal.
“Ao voltar à previsão de pagamento de parcela indenizatória em razão de convocação extraordinária, a Assembleia Legislativa do Estado do Pará incorreu em ofensa grave de diversos dispositivos constitucionais”, afirma a OAB na ação. Alega ainda que a norma paraense representa a contramão da República, da moralidade, da impessoalidade, da proporcionalidade e da democracia.
Para a OAB, a norma gera outras despesas com manutenção de toda a estrutura operacional e funcional da Assembleia como o pagamento de horas extras a servidores, verbas de gabinete, água, luz, telefone, entre outros.
Com esses argumentos, pede liminar para suspender a eficácia da emenda até o julgamento de mérito da ADI. Por fim, pede que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 1º da Emenda Constitucional 47/2010.

Fonte: STF

CCJ da Câmara acaba com prazo para requerer MS

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou nesta terça-feira (14/12), em caráter conclusivo, o fim do prazo máximo de 120 dias para a apresentação de Mandado de Segurança. Esse recurso é usado para proteger direito líquido e certo contra ilegalidades ou abusos por parte de autoridade pública. A notícia é da Agência Câmara.
A medida está prevista no Projeto de Lei 5.947/09, do deputado Paes Landim (PTB-PI). A proposta modifica a Lei 12.016/09, que deu nova disciplina ao Mandado de Segurança, e segue agora para análise do Senado.
De acordo com o relator na CCJ, deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), não pode ser mantida regra infraconstitucional que limite um direito fundamental inscrito na Constituição. Na sua avaliação, como as garantias constitucionais são o principal meio de proteção do indivíduo contra abusos do Poder Público ou contra deliberações majoritárias que violem liberdades individuais, "é forçoso reconhecer que não merece prosperar qualquer restrição infraconstitucional ao exercício de uma garantia constitucional".
Limitação descabida
O deputado Regis de Oliveira (PSC-SP) afirmou que, desde 1994, defendia essa posição. "Não há sentido que uma lei ordinária venha debilitar um direito constitucional", disse. Segundo ele, se não existe prazo para apresentar Habeas Corpus, não há porque ser mantida a limitação no caso do Mandado de Segurança.
Flávio Dino ressalta que o prazo para a interposição de Mandado de Segurança é instituto antiquado, fixado em 1894. "Sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, ganha mais força a ideia de que a prática constitucional deve se voltar à garantia de direitos aos cidadãos", afirma.

Fonte: CONJUR