Segue abaixo um texto muito bom escrito pelo prof. George Marmelstein:
Os freqüentadores do blog já devem ter percebido que as postagens estão cada vez mais raras. Não é por falta de assunto, mas por falta de tempo mesmo. O excesso de trabalho tem me impedido de comentar temas que me interessam academicamente, como a crise de Honduras, a extradição do Battisti, a nomeação do Toffolli para o STF, a rãzinha do Rio, que está no centro de um interesante debate ambiental, o curso de processo civil na Alemanha que tive a oportunidade de participar, entre outros assuntos que estão na ordem do dia. Gostaria de poder me pronunciar sobre tudo isso, mas infelizmente não dá. Talvez em novembro, quando retornarei a Coimbra para assisitir as últimas aulas presenciais do doutorado e terei pelo menos um mês para voltar a pensar.
Por enquanto, gostaria de comentar apenas um tópico bem singelo, que já vem ocupando minhas reflexões há um bom tempo. É a velha questão sobre o conceito de notório saber jurídico, que sempre volta à tona quando há uma polêmica nomeação para o STF. A nomeação do Toffolli reacendeu o debate. A escolha de Toffolli foi, nitidamente, polêmica no meio jurídico e político, já que o então candidato fora reprovado duas vezes no concurso para a magistratura estadual, tem um curriculum acadêmico mais pobre do que o de um monitor da graduação, não possui produções literárias jurídicas ou não-jurídicas, nem possui outras credenciais “intelectuais” senão o fato de ser da confiança do Lula. Enfim, todo mundo já está a par da polêmica – aliás, não sei porque estou me manifestando sobre o assunto, já que são águas passadas.
Toffolli, portanto, não se enquadra dentro do conceito tradicional de jurista com “notório saber jurídico”. Apesar disso, possui algumas qualidades dignas de nota. Aparentemente, não é arrogante e está disposto a evoluir. Ponto positivo a seu favor.
Tenho para mim que não é preciso ser um gênio para ser juiz ou mesmo ministro do STF. A principal qualidade de um juiz, além da honestidade, é a abertura intelectual. O juiz deve estar disposto a ouvir os argumentos apresentados pelas partes e decidir fundamentadamente, apontando de forma imparcial quem tem mais razão. O juiz “gênio”, que já se sente dono da verdade, é um péssimo juiz, pois, com sua arrogância, não será capaz de prestar atenção no que as partes estão dizendo. Faltar-lhe-á a empatia necessária para se colocar no lugar do outro e captar com a máxima fidelidade os seus interesses e argumentos. Por isso, não acho nem possível nem desejável que o juiz seja uma espécie de deus onisciente com poderes sobrenaturais e inteligência acima da média. O juiz deve ser uma pessoa normal que sabe ouvir e compreender os problemas alheios, sem empáfia.
Para mim, e aqui está o ponto-chave do post, o juiz não precisaria sequer ser formado em direito, mas apenas ter conhecimentos básicos de direito e, acima de tudo, uma grande bagagem intelectual que lhe habilitasse a solucionar os problemas com prudência, imparcialidade e bom senso fundamentado. Tais qualidades não são exclusivas dos juristas, até porque existem juristas que estão muito longe de atender a esse perfil.
Geralmente, o problema jurídico stricto sensu (interpretação normativa) é extremamente fácil e não demanda maior capacidade intelectual, além de uma noção básica sobre hierarquia das normas e critérios de interpretação. Basta ler um ou dois livros para dominar essas técnicas. A dificuldade na resolução dos problemas jurídicos não está no aspecto jurídico propriamente dito, mas nos aspectos extra-normativos que estão envolvidos: políticos, econômicos, éticos, médicos, sociais, culturais, financeiros, religiosos, administrativos etc.
No caso da escolha do Toffolli, é inegável que ele possui os conhecimentos jurídicos básicos, ainda que não tenha uma vasta produção acadêmica. Por outro lado, não tenho condições de dizer se ele possui a bagagem intelectual e cultural necessária para proferir boas decisões, pois não o conheço. Pelo fato de ser uma pessoa sem arrogância, já pode ganhar alguns preciosos pontinhos, pois o que mais falta no STF atual é humildade. Hoje, o que se vê nos debates travados no STF é uma tensão de vaidades em conflito onde ninguém está interessado em ouvir o outro, mas apenas a expor suas confusas idéias supostamente desenvolvidas por europeus. Não se tenta convencer pela força do argumento, mas pelo poder do deslumbramento de frases grandiloqüentes, quase sempre intercaladas de expressões alemãs, francesas ou latinas, ou de apelos de autoridade, que só servem para bloquear o debate. Enfim, talvez um pouco menos de academicismo faça bem à Suprema Corte.
Depois escreverei o que penso a respeito do processo de nomeação de juízes para compor os órgãos colegiados. Estou com umas idéias meio radicais que gostaria de compartilhar para ver se elas amadurecem.
***
Só um detalhe. Minha vida de concurseiro foi relativamente de sucesso. Fui primeiro colocado em difíceis concursos, como o de técnico judiciário da justiça federal e procurador do estado de Alagoas, além de ter sido o quarto colocado no concurso de juiz federal. Apesar disso, também coleciono frustantes derrotas típicas de qualquer pessoa que faz muitos concursos. Reprovei em concursos bem mais fáceis, como procurador do município de Horizonte, EsAEx ou advogado da Infraero, para ficar só com alguns. Por isso, o fato de o Toffolli haver reprovado dois concursos para a magistratura há quase quinze anos não é um fator tão relevante. Faz parte da vida. Também o fato de ele não ter mestrado ou doutorado é uma mera questão de opção na carreira, que não deve ser levada em conta. Há ótimos juristas que também não possuem uma carreira acadêmica tão intensa. Por outro lado, nada justifica o fato de ele não haver publicado livros e artigos, pois escrever faz parte da profissão de advogado. Depois de vinte anos de formado, a pessoa deveria ter um portfólio de idéias jurídicas bem recheado. Infelizmente, não é o caso dele. Mas, como o martelo já foi batido, só resta esperar para ver o que será…
Fonte: http://direitosfundamentais.net/